quarta-feira, 23 de novembro de 2011

sábado, 24 de julho de 2010

Professor Hermógenes...

Venho por meio deste postar algo que me chamou extremamente a atenção. Em meados de 1965, antes de qualquer médico metido a entendido ou tratamentos que juram ser modernos, professor Hermógenes grande mestre na prática de YOGA falou sobre a síndrome do pânico e suas reações referindo-se a ela como a "COISA". Ele não fala ou ensina práticas de exercícios que ajudam a driblar o pânico, mas sim, como o bom entendimento e a confiança no próprio curso do organismo cura o ser humano. Somos o próprio Deus pai dentro de nosso corpo, espírito e alma. A confiança em nossos processos íntimos é a grande chave para o bom entendimento e a cura sem lacunas...
Fiquem em paz e boa leitura.


OBS: Desculpe pela formatação confusa do texto, mas é que ele foi copiado diretamente do arquivo PDF do livro "yoga para nervosos" do Professor Hermógenes de 1965.



"A COISA"

Seja o coração que dispara ou "dói" muito (dor precordial),

respiração escassa e disritmada, seja crise asmática, náusea,

hipertensão, insônia, crise hepática, tosse nervosa, membros

paralisados, caos orgânico insuportável e inquietante, seja dor

de cabeça, indisposição gastrointestinal, desânimo arrasador com

vontade de sumir ou dormir até morrer, seja ataque de pranto

ou ansiedade irracional, a verdade é que a pobre vítima cai

presa de pânico infernal ao pressentir que mais uma vez vai

ser assaltada pela

coisa.

E o terror se acentua à medida que

constata encontrar-se novamente indefesa nas garras de

algo

de

poder muito estranho, a dominá-la, a vencê-la, a desmoralizarlhe

os esforços.

A

coisa

está desgraçando a vida de muita gente, destruindo

um número sempre crescente de seres humanos. É raro aquele

que não é seu escravo e vítima sua. A clientela dos psiquiatras,

psicólogos e psicanalistas aumenta assustadoramente. A crescente

procura dos psicotrópicos está alarmando as autoridades.

Nem os próprios psiquiatras nem as autoridades sanitárias de

todo o mundo se sentem seguras, elas mesmas, contra a devastação

que a

coisa

anda fazendo. A corrida aos barbitúricos, ataráxicos,

tranqüilizantes, antidepressivos é um sinal de que a

coisa

está se tornando a maior ameaça à humanidade. Segundo

relatório do Senador Thomas Dodd, de Connecticut, "em abril

de 1965 existiam nos Estados Unidos mais de 100 mil viciados

em psicotrópicos" (1). Na França, 10% das despesas farma-

(1)

Jornal do Brasil (4/Janeiro/1968.)

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cêuticas, em 1967, foram com psicotrópicos, isto é, drogas para

engabelar a

coisa.

As trágicas fileiras de escravos das drogas se espicham a

perder de vista pelos vales desta humanidade cada vez menos

humana e sempre mais psicodélica, vazia, enfastiada, inconseqüente

e mesmificada no sofrimento neurótico e psíquico.

Mas... que é a

coisa?

Não foi eu quem a batizou assim. São alunos meus, em

suas queixas, que lhe dão este nome genérico.

— Quando a

coisa

me derruba, não sou mais ninguém..."

— "Eu estou bem, Professor, mas, de repente, me dá

uma

coisa,

que..."

— "Ah se eu pudesse vencer esta

coisa,

que está me destruindo!

. . . "

— "Se eu me livrasse desta

coisa,

seria outro homem..."

— " . . . é uma

coisa

horrível que eu sinto, que nem sei

dizer..."

Coisa

é o apelido dos sofrimentos e desconfortos psicossomáticos,

isto é, envolvendo corpo e mente, com perturbações

fisiológicas localizadas ou generalizadas, que, todo-poderosas e

obcedantes, o paciente não sabe como começaram nem como

terminam. Sabe somente — e com que intensidade — tratar-se

de uma experiência apavorante a vencê-lo inexoravelmente. A

vítima não sabe definir, e por isto, apelida de: a

coisa.

São componentes do quadro a impotência diante do assalto

e o conseqüente pânico. Aos primeiros e tênues prenúncios

de um assalto, sobrevém o pavor e, a vítima, tentando defender-

se, instintivamente, enrijece os músculos, faz-se tensa, põe-se

em guarda.

À medida porém que vê se agravarem os sintomas

e, portanto, a falência de suas defesas, naturalmente vai ficando

cada vez mais apavorada. O pavor determina automaticamente

maior tensão pseudodefensiva. Por sua vez, a contração do

corpo facilita o êxito do ataque da

coisa.

Eis o sinistro círculo

vicioso a avassalar a vítima: os sintomas geram o medo; o

medo, a tensão; a tensão facilita e acentua os sintomas que,

por sua vez, agravam o medo e este degenera em pânico.

Em cada pessoa, a

coisa

se desenvolve segundo um esquema

particular, envolvendo, desde os níveis corticais do cérebro

até os vegetativos do sistema nervoso. Em cada paciente, se

desencadeia um circuito particular. À medida que este se repete,

se afirma, se consolida, se torna mais

facilitado e mais

ganha ser,

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isto é, mais se torna uma

coisa.

Tal circuito se desenvolve

segundo a linha de "minoris resistentia", como dizem os psiquiatras

e especialistas em psicossomática.

Quando eu disse que a

coisa vai ganhando ser,

fui preciso.

Ela ganha existência e cada vez mais afirma esta existência. E

isto à custa das derrotas da vítima, como também em obediência

a uma lei universal, segundo a qual, tudo que existe

afirma

e

defende

sua existência. A potência da coisa

é alimentada cada

vez que derruba sua vítima.

A vítima conhece seu circuito particular. E antes do assalto,

sabe como vai acontecer e sabe que vai ser infalivelmente vencida.

O circuito é predito pelo doente. Ao sentir as ainda

suaves, longínquas e discretas ameaças, com a mais funda e

eficaz convicção, diz para si mesmo: "Já sei. Lá vem a

coisa!

Agora estou frito. Já sei. Meu coração vai querer sair pela

boca etc.. . Estou liquidado!. . ."

Esta auto-sugestão e mais a tensão gerada pelo medo são

eficientíssimas ajudas dadas à

coisa

pelo próprio doente. São

elementos indispensáveis ao êxito do ataque. Que ironia! — é

a própria vítima que assim possibilita e agrava seus sofrimentos.

Se os sofrimentos têm origem em conflitos, como explicam

os psicólogos ou se são choques entre respostas orgânicas opostas,

como querem os fisiologistas, isto é, se a

coisa

é criada

pela mente ou pelo corpo, tem importância relativa, pelo menos

para quem sofre seus ataques. O importante é aprender como

vencer o dramático círculo vicioso.

Este livro, resultado de uma experiência bem sucedida com

centenas de casos, pretende dar a você os meios para, inteligentemente,

evitar a condição de vítima ou libertá-lo do sofrimento.

De início, é indispensável você tenha compreendido o que é,

como se forma e como se afirma o círculo vicioso.

Lembre-se de que, diante das ameaças de uma crise, das

coisas que ocorrem contra você e a favor do adversário: a)

auto-sugestão negativa, isto é, a predição dos sintomas e da

vitória do ataque; b) o medo; e c) a conseqüente tensão, com

que você procura defender-se.

Aprenda a evitá-las.

Tais coisas são concomitantes. E são sinérgicas, isto é,

reforçam-se mutuamente."

Comece por evitar a

atitude de combate.

Em outras palavras:

evite a tensão, que se alastra pelo corpo. É ela que

liga

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todos os elementos do circuito. Relaxando, você conseguirá

evitar o tal circuito, pois não oferece passagem. A habilidade

de relaxar é uma aquisição preciosa a ser feita. Adiante vamos

tratar disso.

Você precisará aprender a manejar alguns meios, algumas

técnicas. Você terá que realizar algumas transformações em

seu viver. Precisa aprender a

vencer, mas sem lutar.

Isto não

lhe parece estranho?! Claro. Falar de vencer sem reagir contra,

sem armar-se, sem lutar é muito esquisito principalmente num

mundo onde o esforço pela vitória é geralmente tido como indispensável.

Se a

coisa

tem dominado você é porque você lhe tem

oposto resistência e a enfrenta cheio de tensão. Você tem oferecido

luta. Disto ela se aproveita para derrubá-lo, e assim, firmar

e defender sua existência. Qualquer luta engendra reação. Se

você agride e enfrenta a

coisa,

ela sai ganhando. Se você a

teme, como vimos, ela também vence. Com

ahimsa

(não reação)

você poderá vencê-la. Você terá de fazer o que fez o

Mahatma Gandhi com a Grã-Bretanha: não violência. Você

terá de aprender a estratégia onipotente do

ahimsa.

Vamos

tentar explicá-la.

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ESTRATÉGIA

Uma das definições clássicas de Yoga é "a excelência na

ação". A ação eficaz, bem sucedida, completa, sem resíduos,

sem defeitos, e também sem desgastes desnecessários pode ser

chamada de ação perfeita ou ação yóguica. Uma que seja

incompleta, desvirtuada, exaustiva, egoística, estreita, precária,

mesquinha e ineficaz é pecado, é ação imperfeita. As ações a

realizar em nossa existência devem ser perfeitas, sem o que ficamos

endividados

e, portanto, presos a elas, obrigados a repetilas.

A ação yóguica é libertadora, portanto.

Se nos demais aspectos da vida, temos de agir com perfeição,

libertando-nos, que dizer de nosso comportamento em relação

à

coisa?!

Chamemo-la de angústia, neurose, servidão, conflito,

imperfeição, dependência, sofrimento, ansiedade, condicionamento,

inferioridade, fobia, doença, obsessão. . . dela é

fundamental que nos libertemos. É, podemos dizer, o mais

importante nesta vida.

Qual será o modo mais yóguico, isto é, o mais libertador

de enfrentar a

coisa?

Além das muitas técnicas e comportamentos especiais,

neste livro sugeridos, creio indispensável você mantenha incessantemente,

como fundamento e fonte de inspiração, como

orientadora da ação, uma determinada atitude mental, a ser por

você mesmo definida. Poderia eu mesmo ensiná-la. Poderia ser

mais direto e objetivo dizendo-lhe qual seja. Isto seria cômodo

para você. Mas seria o mais eficaz? Você poderia não aceitar

ou não entender o que eu dissesse. Prefiro você mesmo a

formule. Vamos recorrer a parábolas. Espero, da consideração

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delas, conclua sobre o que fazer diante da

coisa.

Aprendamos

as lições das parábolas. Escutemos seus sábios conselhos semiocultos.

Comecemos:

1) Dois nadadores queriam chegar a uma casa no outro

lado do rio, bem em frente a eles. O primeiro, vaidoso com sua

força de vontade e com suas habilidades de campeão, atirou-se

à água, nadando obstinado exatamente em direção à casa, isto

é, perpendicularmente à corrente. Travou luta inglória e estúpida.

Quase morto, foi socorrido, quando, já exausto e vencido

ia sendo arrastado para as pedras.

O segundo meteu-se n'água, e

concedendo,

e mesmo aproveitando

a direção da corredeira, nadou em diagonal. Chegou

no outro lado num ponto abaixo a certa distância da casa onde

queria chegar. Já em terra firme, andou pela margem na direção

do rio acima e chegou tranqüilo a seu destino.

Que acha disto? Quem foi mais sábio? O primeiro ou o

segundo nadador? Qual deles foi eficaz? Por que ou com o que

o segundo realizou a tarefa? Qual foi a estratégia da vitória?

2) Um banhista saiu nadando e se afastou um pouco da

praia. Em certo ponto, se apercebeu de que estava sendo levado

por uma corrente marítima. O instinto de conservação

mandou-o retornar à praia. Começou a bracejar, tentando safarse.

Cada vez mais, no entanto, se sentia impotente de fazê-lo.

Naturalmente, sob a evidente ameaça à vida, nele foram aumentando

simultânea e reciprocamente o pavor e os esforços inúteis

e, conseqüentemente, a fadiga, com a horrível sensação de que

estava perdido. Ia morrer. Não por não saber nadar, mas porque

se

sentia

incapaz de vencer a força do mar. A praia ia se

afastando, e com ela, suas esperanças e suas forças...

Desta forma, o banhista inexperiente e teimoso é vencido.

Nadador sabido, experiente e, por isto mesmo calmo, quando

se vê na mesma situação, não se esforça e não cai em pânico.

O que faz é inteiramente diverso. Renuncia à tentativa imprudente

de chegar direto à praia. Sabe ser isto impossível. Simplesmente,

conservando-se dono de si, deixa-se levar pela corrente.

Sem pavor, vê a praia ficar longe, mas não a esperança,

mas não sua tranqüilidade. Lá adiante, a corrente, mudando

de direção reaproxima-o da terra e, ele, inteligentemente, aproveita

e salva-se.

3) Neróide era um puro-sangue inglês, inteiro, fogoso e

enorme. Dava gosto vê-lo, elegante e ágil. Temiam montá-lo.

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Eu, jovem cadete, "mascarado" de bom cavaleiro e querendo

impressionar, não tive dúvida em aceitar o risco. Nos primeiros

instantes, foi uma vitória. Tão confiante me senti, que me incorporei

a um grupo de veranistas que ia percorrer a cavalo os

campos e as serras dos arredores. Nunca um cadete se sentiu

tão vaidoso como eu naquela situação. Sabia que minha montada

era a mais vistosa e mesmo contrastante com os pangarés

cavalgados pelos outros. Sabia-me admirado e caprichava em

manter a postura ereta e elegante, aprendida nas lições de equitação.

Tudo ia bem, quando Neróide começou a demonstrar

excessiva excitação. Encurtei as rédeas, apertei as pernas e

afastei-me prudentemente dos outros, e por todas as formas,

tratei de fazê-lo sentir que quem mandava ali era eu. Ele, sentindo-

se desafiado, resolveu provar que quem mandava era ele,

e passou a demonstrar que, para ele, rédeas e cavaleiro vaidoso

nada valiam. Feito um doido, danou-se a correr, com vontade

de aliviar a carga que trazia nas costas: eu. Os companheiros

de passeio olhavam apreensivos para o espetáculo. Neróide

não escolhia por onde galopar: barrancos, espinheiros, capões

de mato... E eu em cima dele. Onde e como terminaria aquilo?

O que estariam pensando os companheiros já não importava.

A situação era de ameaça à vida ou à integridade física. As

pernas, feito torquês, apertavam as ilhargas do desvairado gigante

de quatro patas, em disparada. O pânico, alimentado

pela incerteza e pela sensação de impotência, começou a assaltar-

me. Qual seria o fim daquilo? Qual seria meu fim? Se

tivesse me abandonado ao medo, não sei o que teria havido. Defendi-

me primeiro do medo e, graças a isso, conservei-me lúcido.

Em quase serenidade, intuí a solução. Em vez de puxar as

rédeas no sentido de o estancar,

deixei de lutar contra. O

animal

sentiu-se então liberto para correr ainda mais. Eu, até então,

reconhecera-me vencido e dominado. Agora, ao contrário, era

dono de mim, embora não dele. Estava fazendo o que decidira.

O pânico fora mais porque eu me sentira vencido por algo

incontrolável. Agora, Neróide corria, mas

com meu consentimento.

Decidi fazer uma coisa que não o contrariava frontalmente:

puxei a rédea esquerda, mudando a direção da carreira.

De cabeça virada para subir a colina, talvez se sentindo triunfante

e solto, valentemente empreendeu a subida. Minha esperança

foi confirmada: o bruto acabou vencido por sua própria

estupidez. Parou cansado e eu, que aprendera a ganhar com o

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não lutar

e o não temer,

continuava em cima dele, dando-lhe

umas palmadinhas sonoras no forte pescoço coberto de suor

espumoso.

4) No inverno dos países frios, em cada árvore coberta

de neve, há uma lição de sabedoria para quem tenha "olhos

de ver". Quando desce a nevada, os galhos mais lenhosos, mais

fortes, chegam a quebrar sob a carga branca da neve que neles

se acumula. Os mais frágeis e flexíveis se defendem,

vergando

sabiamente,

quando há um mínimo excesso de peso. Depois que

a neve os deixa, se reerguem, e, assim, nunca arrebentam.

5) Em "Presença da Realidade" escrevi:

"Depois do temporal, era quase completa a devastação na

serra.

As árvores mais fortes, mais velhas, mais imponentes, mais

altas tinham sido as mais atingidas. Muitas destruídas, com o

tronco lenhoso dilacerado, com o cerne à mostra. . .

Os mais humildes arbustos, anônimos, flexíveis e sem porte,

se espreguiçavam, indenes, se erguiam festivos, respondendo aos

beijos mornos dos primeiros raios do sol ressuscitado".

O combate do toureiro hábil em vencer e o parto sem dor

são também ações yóguicas.

Poderia continuar fazendo desfilar diante de você os muitos

outros símbolos de uma atitude sábia comum em todos que

sabem enfrentar lutas, ameaças, agressões, adversidades, sofrimentos,

e mesmo aquelas desgraças tidas por invencíveis e inevitáveis.

O segundo nadador, o que atravessou o rio; o outro que

soube sair da corrente marítima; o cavaleiro de Neróide; o raminho

tenro vergado pela neve; as humildes plantas da floresta

devastada pelo temporal; todos eles sobreviveram ao desastre

graças a uma estratégia, que é a mesma em todos os casos.

Você é capaz de descobrir qual é? Em que consiste a sabedoria

dos vitoriosos?

Se você já chegou a descobrir esta forma inteligente de

conduzir-se, ou ação yóguica, meus parabéns! Nunca mais a

coisa

o vencerá. Desde já você tem sua libertação garantida.

O primeiro nadador, que quis atravessar o rio perpendicularmente,

foi vencido porque: a) lutou frontalmente com

um adversário muito mais forte; b) foi teimoso; c) não soube

evitar o pânico. Por que razão o outro foi morrer afogado na

corrente marítima? Se você não repetir a resposta do caso an-

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terior, desculpe, mas tenho todo o direito de desconfiar de sua

inteligência. Qual teria sido meu fim, se estupidamente continuasse

a querer vencer um cavalo disparado e enlouquecido, à

custa de contrariá-lo com as rédeas? Já imaginou o que teria

acontecido se eu me deixasse dominar pelo pânico?

Depois de termos concluído sobre o que de errado andaram

fazendo os lutadores vencidos, vamos aprender daqueles que

triunfaram.

O segredo da sua ação eficaz parece estar em: a) serenidade,

indispensável ao controle de si mesmo; b) concessão

voluntária, inteligente e estratégica

à "vontade do adversário"

(correnteza do rio ou do mar e a carreira do cavalo disparado);

c) utilização

inteligente, objetiva e na hora exata

dos esforços

e dos meios certos.

A forma de agir diante de uma crise qualquer é inteiramente

diferente daquela do caipira bravo e lutador, que se mete no

mar disposto a vencer,

de frente,

a pancada das ondas e que,

provavelmente, sairá do combate de costelas fraturadas. O

esperto freqüentador de praia jamais comete tal imprudência.

Faz o corpo mole e, serenamente, apenas se abaixa ou fura a

onda e sai ileso.

Experimente o mesmo da próxima vez, quando se vir numa

situação adversa, numa crise de qualquer espécie. Nunca se

meta a enfrentar as ondas do sofrimento com peito aberto e pé

atrás. Relaxe. Negaceie. Deixe passar a onda e, se tiver habilidade

suficiente, aproveite inclusive a força que o destruiria

e faça como alguns banhistas — conserve-se na crista e vá

soberanamente até à pfáiá, fazendo "jacaré".

Ousamos concluir que, em face de uma crise de neurose de

angústia, sejam quais forem suas manifestações, o que devemos

fazer é: a) não lutar frontalmente contra os sintomas; b) não

insistir no esforço ineficaz; c) não cair presa do medo decorrente

da sensação de impotência. Em resumo:

não luta! e não

medo!

Não lute. Não reaja. Não resista

heroicamente

contra a

coisa

ou contra qualquer assalto da desdita, quando sejam inevitáveis,

invencíveis, incontroláveis e além de suas forças. Não

resista. Faça como os raminhos tenros que se vergam com o

peso da neve, deixando-a cair. Faça como os frágeis arbustos,

que o vendaval não consegue arrebentar.

Reação frustrada, resistência destruída só servem para evidenciar

nossa própria derrota e é isto que dá medo. Este, por

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sua vez, destrói a eficácia dos esforços, pois cria tensões desastrosas

.. . E assim, a vitória será sempre da

coisa,

da adversidade,

da inferioridade, do vício, de tudo quanto nos quer vencer,

reter, escravizar e destruir.

Vamos ser mais objetivos e práticos. Vamos a exemplos.

Que é a crise asmática? Como superar uma?

A angústia de quem se vê arrastado para a destruição, seja

por um cavalo enlouquecido ou uma correnteza de praia é idêntica

à de um asmático em crise. Aos primeiros sinais prenunciadores,

o doente diz a si mesmo: "Pronto. Hoje estou frito.

Daqui a pouco estarei chiando e me afogando em gosma. . ."

A partir daí, trata de fazer

esforços

heróicos para respirar;

começa a lutar contra a crise, embora convencido de que tais

esforços serão impotentes. . . É como o que quer sair da correnteza

e nadar para a praia. Quanto mais se esforça, mais se apavora

por ver-se frustrado e sem esperança, e quanto mais se

apavora, mais se enrijece todo, criando, assim, não só maiores

necessidades respiratórias, pelos esforços, como também maiores

obstáculos à respiração, pela maior produção de gosma e constrangimento

nas passagens de a r . . . Sem o mínimo êxito, vê,

horrorizado, desencadear-se o dramático círculo vicioso: afogamento,

esforço, pânico, tensão, agravamento da crise. . .

Autorizado por comprovações experimentais, posso dizer

que a estratégia do

ahimsa,

que tenho ensinado, consegue não

somente evitar o ataque a desencadear-se, como também suspendê-

lo, se já iniciado.

Ahimsa

pode ser traduzido por não reação.

Olhos esbugalhados de pavor, ofegante e sentindo-se miseravelmente

sem esperanças, a moça, sem poder falar, por gestos

angustiados, e sintomas evidentes, pedia-me ajuda. Mandei-a

deitar-se na esteira e comecei a falar-lhe: "Não lute contra a

crise! Não resista! Não tema! Largue-se! Fique imóvel! Reduza

a zero seus movimentos. Pare. Diminua assim a necessidade de

respirar. Não se esforce por mais ar! Quieta! Serena! Deixe a

crise tomar conta! Acalme-se! Nada de medo! Seu pavor é que

lhe prejudica! Quieta! Você já não precisa quase respirar. Está

vendo?! Comece a comandar o relaxamento de todo corpo! Entregue-

se a Deus Onipresente, que vai agir, desde que você se

confie a Ele. Enquanto você estiver lutando, não dá a Ele a

oportunidade de tomar conta de você. Deixe-o agir. Largue-se.

Assim. De olhos fechados, afrouxe todo corpo. Com corpo frouxo,

sem tensões, vai-se reduzindo ainda mais a necessidade de

respirar. Vê como a calma vai se restaurando? Vê como está respirando

cada vez menos... e já desimpedidamente? Vê como

Deus sabe salvar-nos de qualquer sofrimento, desde que, na

hora exata em que nos sentimos impotentes, confiamos tudo,

totalmente, à sua Onipotência, Onisciência e Onipresença? Vê

como Deus sabe dirigir as reações de nosso organismo? Vamos:

relaxe mais, cada vez mais. . . Que tal esta sensação de segurança

e serenidade, que está substituindo o medo? Vê como é

Divina a

vitória sem luta, sem ansiedade, sem reação, sem

violência?. . .

Esta paz gostosa está a seu alcance todas às vezes

que quiser!. . . Sempre que nova crise quiser tomar conta de

você, lembre-se disto: não lute; não tema; entregue-se a Deus;

relaxe; deixe que a

coisa,

por si mesma, descubra que já não

tem domínio sobre você!..."

Este caso não é hipotético. Igual a ele, tenho tido muitos

outros.

Um dos mais interessantes, porque logrou certa notoriedade,

foi com uma irmã vicentina na Santa Casa de Misericórdia

do Rio. Baixou à enfermaria 32, em plena crise de asma, agravando

seu enfisema pulmonar, depois de ter recebido extrema-

unção, sendo, portanto, esperada sua morte.

O Divino Médico

inspirou-me a abordar o caso, apelando, antes de mais

nada, para os sentimentos e convicções religiosas da paciente.

— "Irmã, todos os dias, a senhora diz "seja feita a vossa

vontade", não é?.. ."

Semi-sufocada, com dificuldade, confirmou.

— "A senhora diz, mas não cumpre — acusei-a, com

um sorriso amigo, como a pedir desculpas pela impertinência.

A senhora precisa realmente deixar Deus tomar conta de seu

corpo. Vamos aprender a fazer isto? Quer apostar como nunca

sentiu maior felicidade do que vai sentir agora, confiando seu

organismo e todos seus problemas ao Supremo? Vou ensinarlhe

a realizar, no organismo, o "seja feita a vossa vontade", e

a senhora vai ver como, agora mesmo, a crise vai cessar, pois

Deus não falha, quando toma conta. A senhora só está assim,

asmática, sofrendo tanto, porque ainda não sabe como

deixar

Deus tomar conta. Ao contrário, a senhora só tem tido fé em

sua própria luta contra esta

coisa.

Até agora, só tem usado seus

próprios recursos. E isto só lhe tem trazido ansiedade e frustração

. . . Agora mesmo vai mudar de atitude. Pare de fazer esforço,

consinta que Deus entre em ação. Feche os olhos..."

52

E comecei a ensinar-lhe a relaxar.

O resultado foi impressionante. O nervosismo cedeu. O pavor

foi substituído pela calma. A respiração foi se minimizando

até que, semblante muito sereno, parecia adormecida. Havia

então silêncio em sua alma, envolvida até então em luta inglória,

estafante e desastrosa. Tendo aprendido a relaxar, à medida que

os dias se passavam, mais profundamente foi conseguido entregar-

se a seu "Príncipe" ( i ) , e dentro de um mês, ela, que já não

é jovem e parecia condenada à morte, voltou a seu caridoso

serviço. Pode considerar-se curada, pois já tendo sido assaltada

por recidivas, comportou-se inteligentemente, isto é, seguindo a

estratégia que aprendera.

O que foi dito para a crise asmática, é valido para qualquer

dos múltiplos quadros com que a

coisa

martiriza a vida de

inúmeros. Quaisquer que sejam os sofrimentos psicossomáticos,

quaisquer que sejam os sintomas neurovegetatives, utilize a

estratégia. Vai dar certo. Garanto-lhe.

Se o que você sente é taquicardia, no próximo assalto, sem

alarmas, deixe o coração livremente dançar sua rumba. Sentado

ou deitado, apenas relaxe. É assim que procede um grande advogado

carioca que, antes de ser meu aluno, tentara, inutilmente,

os mais modernos tratamentos.

Sem receio, largue o coração a si mesmo e diga-lhe: "Pode

bater à vontade. Você não me assusta mais. Vamos. Bata como

quiser. Não vou lutar contra v o c ê . . . " Desta maneira, faça uma

surpresa ao coração. E ele, meio frustrado, dirá: "Ué! Que está

acontecendo?! Já não consigo apavorá-lo!"

A

coisa,

sem ser combatida, sem ser temida, acaba por

sentir-se desmoralizada, deixando você em paz. Não é isto o

que você quer?!

Se em vez de ser uma neurose de angústia é um vício, um

comportamento compulsivo, mau hábito ou qualquer fraqueza

contra a qual você tem lutado em vão, experimente a mesma

estratégia, que em resumo é composta de:

— Não resistência. Não luta. Não tensão. Em linguagem

yógui:

ahimsa. Ao contrário: mansidão e relax.

Não medo. Não

pavor. Ao contrário, fé

(shradha).

Não desespero. Ao contrário

(ishavarapranidhana),

isto é, entregar-se todo e tudo a Deus. Não

tenha pressa. Nada de ansiedade. Ao contrário, paciência,

(tapas)

e persistência.

"A COISA"

Seja o coração que dispara ou "dói" muito (dor precordial),

respiração escassa e disritmada, seja crise asmática, náusea,

hipertensão, insônia, crise hepática, tosse nervosa, membros

paralisados, caos orgânico insuportável e inquietante, seja dor

de cabeça, indisposição gastrointestinal, desânimo arrasador com

vontade de sumir ou dormir até morrer, seja ataque de pranto

ou ansiedade irracional, a verdade é que a pobre vítima cai

presa de pânico infernal ao pressentir que mais uma vez vai

ser assaltada pela

coisa.

E o terror se acentua à medida que

constata encontrar-se novamente indefesa nas garras de

algo

de

poder muito estranho, a dominá-la, a vencê-la, a desmoralizarlhe

os esforços.

A

coisa

está desgraçando a vida de muita gente, destruindo

um número sempre crescente de seres humanos. É raro aquele

que não é seu escravo e vítima sua. A clientela dos psiquiatras,

psicólogos e psicanalistas aumenta assustadoramente. A crescente

procura dos psicotrópicos está alarmando as autoridades.

Nem os próprios psiquiatras nem as autoridades sanitárias de

todo o mundo se sentem seguras, elas mesmas, contra a devastação

que a

coisa

anda fazendo. A corrida aos barbitúricos, ataráxicos,

tranqüilizantes, antidepressivos é um sinal de que a

coisa

está se tornando a maior ameaça à humanidade. Segundo

relatório do Senador Thomas Dodd, de Connecticut, "em abril

de 1965 existiam nos Estados Unidos mais de 100 mil viciados

em psicotrópicos" (1). Na França, 10% das despesas farma-

(1)

Jornal do Brasil (4/Janeiro/1968.)

42

cêuticas, em 1967, foram com psicotrópicos, isto é, drogas para

engabelar a

coisa.

As trágicas fileiras de escravos das drogas se espicham a

perder de vista pelos vales desta humanidade cada vez menos

humana e sempre mais psicodélica, vazia, enfastiada, inconseqüente

e mesmificada no sofrimento neurótico e psíquico.

Mas... que é a

coisa?

Não foi eu quem a batizou assim. São alunos meus, em

suas queixas, que lhe dão este nome genérico.

— Quando a

coisa

me derruba, não sou mais ninguém..."

— "Eu estou bem, Professor, mas, de repente, me dá

uma

coisa,

que..."

— "Ah se eu pudesse vencer esta

coisa,

que está me destruindo!

. . . "

— "Se eu me livrasse desta

coisa,

seria outro homem..."

— " . . . é uma

coisa

horrível que eu sinto, que nem sei

dizer..."

Coisa

é o apelido dos sofrimentos e desconfortos psicossomáticos,

isto é, envolvendo corpo e mente, com perturbações

fisiológicas localizadas ou generalizadas, que, todo-poderosas e

obcedantes, o paciente não sabe como começaram nem como

terminam. Sabe somente — e com que intensidade — tratar-se

de uma experiência apavorante a vencê-lo inexoravelmente. A

vítima não sabe definir, e por isto, apelida de: a

coisa.

São componentes do quadro a impotência diante do assalto

e o conseqüente pânico. Aos primeiros e tênues prenúncios

de um assalto, sobrevém o pavor e, a vítima, tentando defender-

se, instintivamente, enrijece os músculos, faz-se tensa, põe-se

em guarda.

À medida porém que vê se agravarem os sintomas

e, portanto, a falência de suas defesas, naturalmente vai ficando

cada vez mais apavorada. O pavor determina automaticamente

maior tensão pseudodefensiva. Por sua vez, a contração do

corpo facilita o êxito do ataque da

coisa.

Eis o sinistro círculo

vicioso a avassalar a vítima: os sintomas geram o medo; o

medo, a tensão; a tensão facilita e acentua os sintomas que,

por sua vez, agravam o medo e este degenera em pânico.

Em cada pessoa, a

coisa

se desenvolve segundo um esquema

particular, envolvendo, desde os níveis corticais do cérebro

até os vegetativos do sistema nervoso. Em cada paciente, se

desencadeia um circuito particular. À medida que este se repete,

se afirma, se consolida, se torna mais

facilitado e mais

ganha ser,

43

isto é, mais se torna uma

coisa.

Tal circuito se desenvolve

segundo a linha de "minoris resistentia", como dizem os psiquiatras

e especialistas em psicossomática.

Quando eu disse que a

coisa vai ganhando ser,

fui preciso.

Ela ganha existência e cada vez mais afirma esta existência. E

isto à custa das derrotas da vítima, como também em obediência

a uma lei universal, segundo a qual, tudo que existe

afirma

e

defende

sua existência. A potência da coisa

é alimentada cada

vez que derruba sua vítima.

A vítima conhece seu circuito particular. E antes do assalto,

sabe como vai acontecer e sabe que vai ser infalivelmente vencida.

O circuito é predito pelo doente. Ao sentir as ainda

suaves, longínquas e discretas ameaças, com a mais funda e

eficaz convicção, diz para si mesmo: "Já sei. Lá vem a

coisa!

Agora estou frito. Já sei. Meu coração vai querer sair pela

boca etc.. . Estou liquidado!. . ."

Esta auto-sugestão e mais a tensão gerada pelo medo são

eficientíssimas ajudas dadas à

coisa

pelo próprio doente. São

elementos indispensáveis ao êxito do ataque. Que ironia! — é

a própria vítima que assim possibilita e agrava seus sofrimentos.

Se os sofrimentos têm origem em conflitos, como explicam

os psicólogos ou se são choques entre respostas orgânicas opostas,

como querem os fisiologistas, isto é, se a

coisa

é criada

pela mente ou pelo corpo, tem importância relativa, pelo menos

para quem sofre seus ataques. O importante é aprender como

vencer o dramático círculo vicioso.

Este livro, resultado de uma experiência bem sucedida com

centenas de casos, pretende dar a você os meios para, inteligentemente,

evitar a condição de vítima ou libertá-lo do sofrimento.

De início, é indispensável você tenha compreendido o que é,

como se forma e como se afirma o círculo vicioso.

Lembre-se de que, diante das ameaças de uma crise, das

coisas que ocorrem contra você e a favor do adversário: a)

auto-sugestão negativa, isto é, a predição dos sintomas e da

vitória do ataque; b) o medo; e c) a conseqüente tensão, com

que você procura defender-se.

Aprenda a evitá-las.

Tais coisas são concomitantes. E são sinérgicas, isto é,

reforçam-se mutuamente."

Comece por evitar a

atitude de combate.

Em outras palavras:

evite a tensão, que se alastra pelo corpo. É ela que

liga

44

todos os elementos do circuito. Relaxando, você conseguirá

evitar o tal circuito, pois não oferece passagem. A habilidade

de relaxar é uma aquisição preciosa a ser feita. Adiante vamos

tratar disso.

Você precisará aprender a manejar alguns meios, algumas

técnicas. Você terá que realizar algumas transformações em

seu viver. Precisa aprender a

vencer, mas sem lutar.

Isto não

lhe parece estranho?! Claro. Falar de vencer sem reagir contra,

sem armar-se, sem lutar é muito esquisito principalmente num

mundo onde o esforço pela vitória é geralmente tido como indispensável.

Se a

coisa

tem dominado você é porque você lhe tem

oposto resistência e a enfrenta cheio de tensão. Você tem oferecido

luta. Disto ela se aproveita para derrubá-lo, e assim, firmar

e defender sua existência. Qualquer luta engendra reação. Se

você agride e enfrenta a

coisa,

ela sai ganhando. Se você a

teme, como vimos, ela também vence. Com

ahimsa

(não reação)

você poderá vencê-la. Você terá de fazer o que fez o

Mahatma Gandhi com a Grã-Bretanha: não violência. Você

terá de aprender a estratégia onipotente do

ahimsa.

Vamos

tentar explicá-la.

45

ESTRATÉGIAUma das definições clássicas de Yoga é "a excelência na

ação". A ação eficaz, bem sucedida, completa, sem resíduos,

sem defeitos, e também sem desgastes desnecessários pode ser

chamada de ação perfeita ou ação yóguica. Uma que seja

incompleta, desvirtuada, exaustiva, egoística, estreita, precária,

mesquinha e ineficaz é pecado, é ação imperfeita. As ações a

realizar em nossa existência devem ser perfeitas, sem o que ficamos

endividados

e, portanto, presos a elas, obrigados a repetilas.

A ação yóguica é libertadora, portanto.

Se nos demais aspectos da vida, temos de agir com perfeição,

libertando-nos, que dizer de nosso comportamento em relação

à

coisa?!

Chamemo-la de angústia, neurose, servidão, conflito,

imperfeição, dependência, sofrimento, ansiedade, condicionamento,

inferioridade, fobia, doença, obsessão. . . dela é

fundamental que nos libertemos. É, podemos dizer, o mais

importante nesta vida.

Qual será o modo mais yóguico, isto é, o mais libertador

de enfrentar a

coisa?

Além das muitas técnicas e comportamentos especiais,

neste livro sugeridos, creio indispensável você mantenha incessantemente,

como fundamento e fonte de inspiração, como

orientadora da ação, uma determinada atitude mental, a ser por

você mesmo definida. Poderia eu mesmo ensiná-la. Poderia ser

mais direto e objetivo dizendo-lhe qual seja. Isto seria cômodo

para você. Mas seria o mais eficaz? Você poderia não aceitar

ou não entender o que eu dissesse. Prefiro você mesmo a

formule. Vamos recorrer a parábolas. Espero, da consideração

46

delas, conclua sobre o que fazer diante da

coisa.

Aprendamos

as lições das parábolas. Escutemos seus sábios conselhos semiocultos.

Comecemos:

1) Dois nadadores queriam chegar a uma casa no outro

lado do rio, bem em frente a eles. O primeiro, vaidoso com sua

força de vontade e com suas habilidades de campeão, atirou-se

à água, nadando obstinado exatamente em direção à casa, isto

é, perpendicularmente à corrente. Travou luta inglória e estúpida.

Quase morto, foi socorrido, quando, já exausto e vencido

ia sendo arrastado para as pedras.

O segundo meteu-se n'água, e

concedendo,

e mesmo aproveitando

a direção da corredeira, nadou em diagonal. Chegou

no outro lado num ponto abaixo a certa distância da casa onde

queria chegar. Já em terra firme, andou pela margem na direção

do rio acima e chegou tranqüilo a seu destino.

Que acha disto? Quem foi mais sábio? O primeiro ou o

segundo nadador? Qual deles foi eficaz? Por que ou com o que

o segundo realizou a tarefa? Qual foi a estratégia da vitória?

2) Um banhista saiu nadando e se afastou um pouco da

praia. Em certo ponto, se apercebeu de que estava sendo levado

por uma corrente marítima. O instinto de conservação

mandou-o retornar à praia. Começou a bracejar, tentando safarse.

Cada vez mais, no entanto, se sentia impotente de fazê-lo.

Naturalmente, sob a evidente ameaça à vida, nele foram aumentando

simultânea e reciprocamente o pavor e os esforços inúteis

e, conseqüentemente, a fadiga, com a horrível sensação de que

estava perdido. Ia morrer. Não por não saber nadar, mas porque

se

sentia

incapaz de vencer a força do mar. A praia ia se

afastando, e com ela, suas esperanças e suas forças...

Desta forma, o banhista inexperiente e teimoso é vencido.

Nadador sabido, experiente e, por isto mesmo calmo, quando

se vê na mesma situação, não se esforça e não cai em pânico.

O que faz é inteiramente diverso. Renuncia à tentativa imprudente

de chegar direto à praia. Sabe ser isto impossível. Simplesmente,

conservando-se dono de si, deixa-se levar pela corrente.

Sem pavor, vê a praia ficar longe, mas não a esperança,

mas não sua tranqüilidade. Lá adiante, a corrente, mudando

de direção reaproxima-o da terra e, ele, inteligentemente, aproveita

e salva-se.

3) Neróide era um puro-sangue inglês, inteiro, fogoso e

enorme. Dava gosto vê-lo, elegante e ágil. Temiam montá-lo.

47

Eu, jovem cadete, "mascarado" de bom cavaleiro e querendo

impressionar, não tive dúvida em aceitar o risco. Nos primeiros

instantes, foi uma vitória. Tão confiante me senti, que me incorporei

a um grupo de veranistas que ia percorrer a cavalo os

campos e as serras dos arredores. Nunca um cadete se sentiu

tão vaidoso como eu naquela situação. Sabia que minha montada

era a mais vistosa e mesmo contrastante com os pangarés

cavalgados pelos outros. Sabia-me admirado e caprichava em

manter a postura ereta e elegante, aprendida nas lições de equitação.

Tudo ia bem, quando Neróide começou a demonstrar

excessiva excitação. Encurtei as rédeas, apertei as pernas e

afastei-me prudentemente dos outros, e por todas as formas,

tratei de fazê-lo sentir que quem mandava ali era eu. Ele, sentindo-

se desafiado, resolveu provar que quem mandava era ele,

e passou a demonstrar que, para ele, rédeas e cavaleiro vaidoso

nada valiam. Feito um doido, danou-se a correr, com vontade

de aliviar a carga que trazia nas costas: eu. Os companheiros

de passeio olhavam apreensivos para o espetáculo. Neróide

não escolhia por onde galopar: barrancos, espinheiros, capões

de mato... E eu em cima dele. Onde e como terminaria aquilo?

O que estariam pensando os companheiros já não importava.

A situação era de ameaça à vida ou à integridade física. As

pernas, feito torquês, apertavam as ilhargas do desvairado gigante

de quatro patas, em disparada. O pânico, alimentado

pela incerteza e pela sensação de impotência, começou a assaltar-

me. Qual seria o fim daquilo? Qual seria meu fim? Se

tivesse me abandonado ao medo, não sei o que teria havido. Defendi-

me primeiro do medo e, graças a isso, conservei-me lúcido.

Em quase serenidade, intuí a solução. Em vez de puxar as

rédeas no sentido de o estancar,

deixei de lutar contra. O

animal

sentiu-se então liberto para correr ainda mais. Eu, até então,

reconhecera-me vencido e dominado. Agora, ao contrário, era

dono de mim, embora não dele. Estava fazendo o que decidira.

O pânico fora mais porque eu me sentira vencido por algo

incontrolável. Agora, Neróide corria, mas

com meu consentimento.

Decidi fazer uma coisa que não o contrariava frontalmente:

puxei a rédea esquerda, mudando a direção da carreira.

De cabeça virada para subir a colina, talvez se sentindo triunfante

e solto, valentemente empreendeu a subida. Minha esperança

foi confirmada: o bruto acabou vencido por sua própria

estupidez. Parou cansado e eu, que aprendera a ganhar com o

48

não lutar

e o não temer,

continuava em cima dele, dando-lhe

umas palmadinhas sonoras no forte pescoço coberto de suor

espumoso.

4) No inverno dos países frios, em cada árvore coberta

de neve, há uma lição de sabedoria para quem tenha "olhos

de ver". Quando desce a nevada, os galhos mais lenhosos, mais

fortes, chegam a quebrar sob a carga branca da neve que neles

se acumula. Os mais frágeis e flexíveis se defendem,

vergando

sabiamente,

quando há um mínimo excesso de peso. Depois que

a neve os deixa, se reerguem, e, assim, nunca arrebentam.

5) Em "Presença da Realidade" escrevi:

"Depois do temporal, era quase completa a devastação na

serra.

As árvores mais fortes, mais velhas, mais imponentes, mais

altas tinham sido as mais atingidas. Muitas destruídas, com o

tronco lenhoso dilacerado, com o cerne à mostra. . .

Os mais humildes arbustos, anônimos, flexíveis e sem porte,

se espreguiçavam, indenes, se erguiam festivos, respondendo aos

beijos mornos dos primeiros raios do sol ressuscitado".

O combate do toureiro hábil em vencer e o parto sem dor

são também ações yóguicas.

Poderia continuar fazendo desfilar diante de você os muitos

outros símbolos de uma atitude sábia comum em todos que

sabem enfrentar lutas, ameaças, agressões, adversidades, sofrimentos,

e mesmo aquelas desgraças tidas por invencíveis e inevitáveis.

O segundo nadador, o que atravessou o rio; o outro que

soube sair da corrente marítima; o cavaleiro de Neróide; o raminho

tenro vergado pela neve; as humildes plantas da floresta

devastada pelo temporal; todos eles sobreviveram ao desastre

graças a uma estratégia, que é a mesma em todos os casos.

Você é capaz de descobrir qual é? Em que consiste a sabedoria

dos vitoriosos?

Se você já chegou a descobrir esta forma inteligente de

conduzir-se, ou ação yóguica, meus parabéns! Nunca mais a

coisa

o vencerá. Desde já você tem sua libertação garantida.

O primeiro nadador, que quis atravessar o rio perpendicularmente,

foi vencido porque: a) lutou frontalmente com

um adversário muito mais forte; b) foi teimoso; c) não soube

evitar o pânico. Por que razão o outro foi morrer afogado na

corrente marítima? Se você não repetir a resposta do caso an-

49

terior, desculpe, mas tenho todo o direito de desconfiar de sua

inteligência. Qual teria sido meu fim, se estupidamente continuasse

a querer vencer um cavalo disparado e enlouquecido, à

custa de contrariá-lo com as rédeas? Já imaginou o que teria

acontecido se eu me deixasse dominar pelo pânico?

Depois de termos concluído sobre o que de errado andaram

fazendo os lutadores vencidos, vamos aprender daqueles que

triunfaram.

O segredo da sua ação eficaz parece estar em: a) serenidade,

indispensável ao controle de si mesmo; b) concessão

voluntária, inteligente e estratégica

à "vontade do adversário"

(correnteza do rio ou do mar e a carreira do cavalo disparado);

c) utilização

inteligente, objetiva e na hora exata

dos esforços

e dos meios certos.

A forma de agir diante de uma crise qualquer é inteiramente

diferente daquela do caipira bravo e lutador, que se mete no

mar disposto a vencer,

de frente,

a pancada das ondas e que,

provavelmente, sairá do combate de costelas fraturadas. O

esperto freqüentador de praia jamais comete tal imprudência.

Faz o corpo mole e, serenamente, apenas se abaixa ou fura a

onda e sai ileso.

Experimente o mesmo da próxima vez, quando se vir numa

situação adversa, numa crise de qualquer espécie. Nunca se

meta a enfrentar as ondas do sofrimento com peito aberto e pé

atrás. Relaxe. Negaceie. Deixe passar a onda e, se tiver habilidade

suficiente, aproveite inclusive a força que o destruiria

e faça como alguns banhistas — conserve-se na crista e vá

soberanamente até à pfáiá, fazendo "jacaré".

Ousamos concluir que, em face de uma crise de neurose de

angústia, sejam quais forem suas manifestações, o que devemos

fazer é: a) não lutar frontalmente contra os sintomas; b) não

insistir no esforço ineficaz; c) não cair presa do medo decorrente

da sensação de impotência. Em resumo:

não luta! e não

medo!

Não lute. Não reaja. Não resista

heroicamente

contra a

coisa

ou contra qualquer assalto da desdita, quando sejam inevitáveis,

invencíveis, incontroláveis e além de suas forças. Não

resista. Faça como os raminhos tenros que se vergam com o

peso da neve, deixando-a cair. Faça como os frágeis arbustos,

que o vendaval não consegue arrebentar.

Reação frustrada, resistência destruída só servem para evidenciar

nossa própria derrota e é isto que dá medo. Este, por

50

sua vez, destrói a eficácia dos esforços, pois cria tensões desastrosas

.. . E assim, a vitória será sempre da

coisa,

da adversidade,

da inferioridade, do vício, de tudo quanto nos quer vencer,

reter, escravizar e destruir.

Vamos ser mais objetivos e práticos. Vamos a exemplos.

Que é a crise asmática? Como superar uma?

A angústia de quem se vê arrastado para a destruição, seja

por um cavalo enlouquecido ou uma correnteza de praia é idêntica

à de um asmático em crise. Aos primeiros sinais prenunciadores,

o doente diz a si mesmo: "Pronto. Hoje estou frito.

Daqui a pouco estarei chiando e me afogando em gosma. . ."

A partir daí, trata de fazer

esforços

heróicos para respirar;

começa a lutar contra a crise, embora convencido de que tais

esforços serão impotentes. . . É como o que quer sair da correnteza

e nadar para a praia. Quanto mais se esforça, mais se apavora

por ver-se frustrado e sem esperança, e quanto mais se

apavora, mais se enrijece todo, criando, assim, não só maiores

necessidades respiratórias, pelos esforços, como também maiores

obstáculos à respiração, pela maior produção de gosma e constrangimento

nas passagens de a r . . . Sem o mínimo êxito, vê,

horrorizado, desencadear-se o dramático círculo vicioso: afogamento,

esforço, pânico, tensão, agravamento da crise. . .

Autorizado por comprovações experimentais, posso dizer

que a estratégia do

ahimsa,

que tenho ensinado, consegue não

somente evitar o ataque a desencadear-se, como também suspendê-

lo, se já iniciado.

Ahimsa

pode ser traduzido por não reação.

Olhos esbugalhados de pavor, ofegante e sentindo-se miseravelmente

sem esperanças, a moça, sem poder falar, por gestos

angustiados, e sintomas evidentes, pedia-me ajuda. Mandei-a

deitar-se na esteira e comecei a falar-lhe: "Não lute contra a

crise! Não resista! Não tema! Largue-se! Fique imóvel! Reduza

a zero seus movimentos. Pare. Diminua assim a necessidade de

respirar. Não se esforce por mais ar! Quieta! Serena! Deixe a

crise tomar conta! Acalme-se! Nada de medo! Seu pavor é que

lhe prejudica! Quieta! Você já não precisa quase respirar. Está

vendo?! Comece a comandar o relaxamento de todo corpo! Entregue-

se a Deus Onipresente, que vai agir, desde que você se

confie a Ele. Enquanto você estiver lutando, não dá a Ele a

oportunidade de tomar conta de você. Deixe-o agir. Largue-se.

Assim. De olhos fechados, afrouxe todo corpo. Com corpo frouxo,

sem tensões, vai-se reduzindo ainda mais a necessidade de

respirar. Vê como a calma vai se restaurando? Vê como está respirando

cada vez menos... e já desimpedidamente? Vê como

Deus sabe salvar-nos de qualquer sofrimento, desde que, na

hora exata em que nos sentimos impotentes, confiamos tudo,

totalmente, à sua Onipotência, Onisciência e Onipresença? Vê

como Deus sabe dirigir as reações de nosso organismo? Vamos:

relaxe mais, cada vez mais. . . Que tal esta sensação de segurança

e serenidade, que está substituindo o medo? Vê como é

Divina a

vitória sem luta, sem ansiedade, sem reação, sem

violência?. . .

Esta paz gostosa está a seu alcance todas às vezes

que quiser!. . . Sempre que nova crise quiser tomar conta de

você, lembre-se disto: não lute; não tema; entregue-se a Deus;

relaxe; deixe que a

coisa,

por si mesma, descubra que já não

tem domínio sobre você!..."

Este caso não é hipotético. Igual a ele, tenho tido muitos

outros.

Um dos mais interessantes, porque logrou certa notoriedade,

foi com uma irmã vicentina na Santa Casa de Misericórdia

do Rio. Baixou à enfermaria 32, em plena crise de asma, agravando

seu enfisema pulmonar, depois de ter recebido extrema-

unção, sendo, portanto, esperada sua morte.

O Divino Médico

inspirou-me a abordar o caso, apelando, antes de mais

nada, para os sentimentos e convicções religiosas da paciente.

— "Irmã, todos os dias, a senhora diz "seja feita a vossa

vontade", não é?.. ."

Semi-sufocada, com dificuldade, confirmou.

— "A senhora diz, mas não cumpre — acusei-a, com

um sorriso amigo, como a pedir desculpas pela impertinência.

A senhora precisa realmente deixar Deus tomar conta de seu

corpo. Vamos aprender a fazer isto? Quer apostar como nunca

sentiu maior felicidade do que vai sentir agora, confiando seu

organismo e todos seus problemas ao Supremo? Vou ensinarlhe

a realizar, no organismo, o "seja feita a vossa vontade", e

a senhora vai ver como, agora mesmo, a crise vai cessar, pois

Deus não falha, quando toma conta. A senhora só está assim,

asmática, sofrendo tanto, porque ainda não sabe como

deixar

Deus tomar conta. Ao contrário, a senhora só tem tido fé em

sua própria luta contra esta

coisa.

Até agora, só tem usado seus

próprios recursos. E isto só lhe tem trazido ansiedade e frustração

. . . Agora mesmo vai mudar de atitude. Pare de fazer esforço,

consinta que Deus entre em ação. Feche os olhos..."

52

E comecei a ensinar-lhe a relaxar.

O resultado foi impressionante. O nervosismo cedeu. O pavor

foi substituído pela calma. A respiração foi se minimizando

até que, semblante muito sereno, parecia adormecida. Havia

então silêncio em sua alma, envolvida até então em luta inglória,

estafante e desastrosa. Tendo aprendido a relaxar, à medida que

os dias se passavam, mais profundamente foi conseguido entregar-

se a seu "Príncipe" ( i ) , e dentro de um mês, ela, que já não

é jovem e parecia condenada à morte, voltou a seu caridoso

serviço. Pode considerar-se curada, pois já tendo sido assaltada

por recidivas, comportou-se inteligentemente, isto é, seguindo a

estratégia que aprendera.

O que foi dito para a crise asmática, é valido para qualquer

dos múltiplos quadros com que a

coisa

martiriza a vida de

inúmeros. Quaisquer que sejam os sofrimentos psicossomáticos,

quaisquer que sejam os sintomas neurovegetatives, utilize a

estratégia. Vai dar certo. Garanto-lhe.

Se o que você sente é taquicardia, no próximo assalto, sem

alarmas, deixe o coração livremente dançar sua rumba. Sentado

ou deitado, apenas relaxe. É assim que procede um grande advogado

carioca que, antes de ser meu aluno, tentara, inutilmente,

os mais modernos tratamentos.

Sem receio, largue o coração a si mesmo e diga-lhe: "Pode

bater à vontade. Você não me assusta mais. Vamos. Bata como

quiser. Não vou lutar contra v o c ê . . . " Desta maneira, faça uma

surpresa ao coração. E ele, meio frustrado, dirá: "Ué! Que está

acontecendo?! Já não consigo apavorá-lo!"

A

coisa,

sem ser combatida, sem ser temida, acaba por

sentir-se desmoralizada, deixando você em paz. Não é isto o

que você quer?!

Se em vez de ser uma neurose de angústia é um vício, um

comportamento compulsivo, mau hábito ou qualquer fraqueza

contra a qual você tem lutado em vão, experimente a mesma

estratégia, que em resumo é composta de:

— Não resistência. Não luta. Não tensão. Em linguagem

yógui:

ahimsa. Ao contrário: mansidão e relax.

Não medo. Não

pavor. Ao contrário, fé

(shradha).

Não desespero. Ao contrário

(ishavarapranidhana),

isto é, entregar-se todo e tudo a Deus. Não

tenha pressa. Nada de ansiedade. Ao contrário, paciência,

(tapas)

e persistência.

d)

Assim ela se refere a Jesus.