No meu caso, não aceitei os remédios controladores e tentando encontrar algumas respostas me deparei com alguns textos na internet que me ajudaram a compreender e iniciar a escalada rumo ao equilíbrio interior. Posto agora um texto maravilhoso que o terapeuta Fernando Basile da Silva escreveu sobre os medos, as fobias e principalmente o pânico. Ele me ajudou a perceber que isso não estava vindo de nenhuma disfunção cerebral, etc... mas sim de uma carga emocional que estava buscando alguma revolução dentro de mim... Este texto dá um norte e enobrece a alma na busca de algumas respostas que não encontramos habitualmente. Este é o primeiro texto de toda a saga que busco aqui neste blog. Boa leitura e até a próxima semana. Obs: Vou criar um email onde possamos estar conectados na maioria do tempo, ok? Um beijo no coração de todos e muita paz.
O Medo, a Fobia e o Pânico
Fernando Basile da Silva
O estudo científico destes "sentimentos", aos quais todo ser humano está sujeito, compreende material vastíssimo, inesgotável como fonte de pesquisa, e composto por pontos de vista extremamente variados e muitas vezes antagônicos. Falar sobre este tema constitui, geralmente, tarefa difícil, principalmente se limitada a algumas poucas laudas. Traduzir, então, tal material para uma linguagem que não seja aquela hermética e incompreensível dos gabinetes científicos, sem cair na mesmice ou na deturpação de tais conceitos, dialogando assim com um leitor desconhecido, é tarefa que requer, ao menos, um certo fôlego. Vamos, portanto, caro leitor, tentar assentar os primeiros tijolos desta modesta construção, começando por algo que nos é já há muito conhecido: os sentimentos.
Os sentimentos têm a finalidade de nos auxiliar a classificar, conhecer, perceber as coisas do mundo real. Por exemplo, algumas imagens, cenas e situações (como a chegada de pessoas queridas, ou o reencontro com um importante objeto perdido) despertam o sentimento denominado alegria, indicando-nos assim que algo bom e prazeroso está se passando.
Já a imagem de um animal bravio vindo em nossa direção numa atitude de ataque ou de uma arma de fogo apontada em nossa direção ameaçadoramente desperta outro tipo de sentimento: o medo, que nos informa que a situação requer que tomemos a atitude de ataque ou de fuga. O medo geralmente faz isso. Deixa todo o nosso organismo preparado para uma ação brusca, forte, rápida.
Freqüentemente tomamos estes dois elementos imagem (situação) e sentimento como única coisa. Na verdade eles nem sempre estiveram juntos. O ser humano, ao contrário dos animais, tem, a partir do nascimento, a difícil tarefa de aprender aquilo que é bom e o que é perigoso, tem de distinguir entre o agradável e o temível. E assim as imagens, cenas e situações do nosso mundo vão sendo agregadas aos mais diversos sentimentos, e de forma tão firme, aderente e imperceptível que, por um lado, acreditamos que eles sempre estiveram juntos e, por outro, constatamos que não temos a capacidade de retirar voluntariamente o sentimento que está colado àquela situação: por mais que nos esforcemos, não conseguimos deixar de sentir medo de uma situação que signifique um perigo real e imediato.
Os sentimentos muitas vezes caminham de uma imagem para outra, de uma cena, situação (ou representação) para outra que não deveria obrigatoriamente comportar esta qualidade. Por exemplo, uma determinada roupa, que em qualquer outra situação poderia nos parecer feia, deselegante ou kitsch, passa involuntariamente a ser apreciada se alguém extremamente querido está a usar tal vestimenta. De maneira inversa, se alguém que nos causou uma grande dor, um mal, ou nos fez sofrer, possui uma determinada marca e cor de carro, os sentimentos que nutrimos por esta pessoa freqüente e imperceptivelmente deslocam-se, escorregam ou deslizam para esta outra, e passamos assim a ser invadidos por tal sentimento quando vemos o veículo com tais características, mesmo que pertencendo e sendo dirigido por outra pessoa.
Se o medo freqüentemente aparece adequado à situação a qual ele se adere (por exemplo, medo de cobra venenosa pelo perigo que ela representa), na fobia ele aparece sempre muito aumentado, às vezes injustificado: a fobia é, então, o medo exacerbado, desproporcional e não justificado em relação a um objeto, como, por exemplo, o medo de centopéia, de água, de lugares altos, fechados, abertos (agorafobia), de automóveis, de trânsito, de dirigir etc.
Este tipo de sentimento é comum na infância, quando a criança encontra pela primeira vez dois sentimentos opostos, antagônicos, para uma única pessoa: ela, por exemplo, ama o pai que a protege, que a nutre com alimento e carinho, mas também odeia esta mesma pessoa que impõe regras, horários, limitações aos seus irrefreáveis desejos. Só resta ao pequeno infante tentar eliminar um destes sentimentos "ambivalentes", e a balança pende para os hostis, já que eliminar os sentimentos bons colocaria a criança num estado de desamparo. Um conjunto de operações lógicas se passa nesta relação ambivalente conferindo um destino específico para uma parte do sentimento: o deslocamento.
Odeio papai porque ele me impede de fazer tudo o que eu quero. Se eu o odeio, ele também deve me odiar (projeção dos próprios sentimentos ). Se ele me odeia, estarei desamparado, sem conforto, sem insegurança e sem amparo emocional. Não consigo deixar de odiá-lo, mas temo o resultado deste. Devo eliminar estes sentimentos hostis.
Os objetos do mundo real podem ser facimente eliminados: basta jogar fora ou destruir. Mas, e os sentimentos? Estes são, neste caso, aquele grande depósito da memória chamado "o inconsciente". Nem sempre esta operação de eliminação dos sentimentos hostis é eficiente, o que resulta nas pequenas e passageiras fobias da infância, que nada mais são do que o deslocamento estratégico dos sentimentos da situação original para uma outra remota: o medo presente na situação original (no exemplo acima, medo do pai) desloca-se astuciosamente para outro "objeto" do qual a criança pode se defender estando fisicamente afastada: o objeto fóbico. A criança tem um medo desproporcional e injustificado de, por exemplo, cachorros, minhocas, do guarda etc.
Se a fobia infantil é comum e passageira, ela torna-se problemática na idade adulta, encontrando-se no rol das "falsas soluções neuróticas (fobia, histeria, obsessão)" segundo H. Ey. O mecanismo, entretanto, continua sendo o mesmo: ‘deslocamento’ (o ‘afeto’ caminha de uma representação para outra) e a ‘condensação’ (no objeto do medo estão condensadas várias cadeias associativas, cadeias de pensamentos ligadas à origem da fobia), como lembra Laplanche. A fobia é o resultado de um "resíduo irresolvido" na história dos sujeitos.
Já o sentimento extremamente exacerbado ao qual chamamos pânico - sentimento provocado pela repentina aparição do deus Pã, segundo a mitologia –, apesar de violento e irracional, ainda assim encontra-se freqüentemente adequado ao perigo (‘as pessoas entraram em pânico ao perceber fogo no cinema!’, diz um jornal local).
Por outro lado, a chamada ‘síndrome do pânico’ ou o pânico, como sintoma, apresenta o mesmo descompasso da fobia, acompanhado da desaparição do seu objeto, isto é, o sujeito não consegue detectar do que tem medo. Este estado emocional desencadeia uma série de sintomas corporais indicando que um grande perigo invisível se aproxima: o medo paralisante, a transpiração excessiva, taquicardia, "acessos de angústia tão intensos que dão freqüentemente ao sujeito a viva impressão de estar morrendo ou enlouquecendo, ainda que lhe pareçam estranhos e inexplicáveis em relação às circunstâncias de sua vida psiquica consciente".
A Síndrome do Pânico, tão freqüente na mídia e no discurso das pessoas ("eu tenho Síndrome do Pânico", "minha cunhada sofre de Síndrome do Pânico") não parece ser uma doença nova, atual, e muito menos ter uma origem genética, neuronal, como querem os grandes laboratórios fabricantes dos caros medicamentos e seus tradicionais porta-vozes. Antes, a clínica e o bom senso – assim como pesquisadores de renome – têm se referido a síndrome como a exacerbação aguda de uma fobia não resolvida: a chamada doença do pânico não seria, segundo a psicanálise, mais do que uma já fase aguda de certas modalidades neuróticas largamente estudadas por Freud e seus continuadores. Na verdade, a descrição do transtorno de pânico constitui um novo recorte do quadro clínico descrito por Freud há cem anos, sob o nome de neurose de angústia, integrado, a partir de então, às categorias psiquiátricas.
Seu tratamento não parece ser nem exclusivamente medicamentoso, nem exclusivamente pscicanalítico: o uso temporário de medicamentos criteriosamente recomendados ajuda o paciente a reduzir os drásticos efeitos dos ataques, possibilitando a continuidade e a análise se faz fundamental no resgate da história individual cujo desenlace resultou na fobia ou na Síndrome do Pânico.
Pelo fato de que na Síndrome do Pânico não se conhece o motivo que gera a crise, insiste-se em que não existe causa alguma que a detone. Entretanto, seguindo o modelo da entrevista psicanalítica, numa escuta minuciosa, a partir de associações livres e seguindo os modos de operar do inconsciente, começam a se tomar visíveis certas situações fantasmáticas inconscientes: O analista deverá então empreender aquilo que já foi chamado de ‘arqueologia dos processos psíquicos’, o desenterrar desta cidade soterrada pelo esquecimento que é a memória e encontrar o sentido particular e individual a ela agregado.
A psicanálise é estruturalista na medida em que procura compreender a ‘estrutura’ na qual está inserido um significante, um signo desconhecido: o sintoma do paciente. O analista se pergunta e seu trabalho traz isso ao paciente: o que significa este seu sintoma, este sofrimento, esta fobia ou este pânico, que traz tanto sofrimento? Antes de trazer qualquer resposta pronta vinda de um manual de interpretações – como freqüentemente se vê acontecer, sem qualquer resultado terapêutico – no qual "asa significa liberdade", "água, o útero materno" etc., o analista deve ter a paciência e a humildade para permitir que o discurso do seu paciente signifique, identifique, decifre, simbolize, traga para uma verbalização o significado do seu sintoma.
E isto é feito através de um ato estratégico: livre discurso do paciente. Por que se adota esta posição tão anticientífica, anticartesiana, contrária à lógica e ao bom senso, contrária à prática cotidiana, de se falar sobre qualquer coisa, em vez de se falar objetivamente apenas sobre aquilo de que se sofre? Por que o analista não adota intermináveis questionários e perguntas, fazendo uma investigação rigorosa e minuciosa sobre cada detalhe do sintoma?
Justamente porque o sintoma da fobia, do pânico, é o resultado de algo que o paciente ocultou de si mesmo e cuja cadeia de pensamentos está fortemente protegida por uma energia chamada de resistência que impede que este conteúdo venha a emergir na consciência. Estes pensamentos (no caso do exemplo da pequena criança e seu pai, isto equivale aos sentimentos hostis e amorosos, às situações onde ocorreram, àquilo que a criança captou como verdade) estão como que reféns dentro de uma cidade estrangeira: pensamentos que antes pertenciam à consciência, agora encontram-se aprisionados no inconsciente. Esquecidos ou impregnados de sentimentos que freqüentemente produzem frases como "eu não quero me lembrar disso", "como é sofrido recordar tais coisas", eles têm como guardião seu próprio dono e criador: o paciente. Para o resgate desses reféns, assim como na vida real, é necessária uma estratégia, uma logística. Jamais caminhar em linha reta em direção a eles, já que, neste como naquele caso, se encontraria todo tipo de resistência. Trata-se de reféns, não de turistas !
Podemos chegar a eles por caminhos colaterais, tortuosos. Como os reféns se comunicam com os futuros libertadores? Através de mensagens cifradas, secretas e codificadas. Então, os pensamentos inconscientes se fazem perceber através das metáforas, atos falhos (‘aquele cachorrinho do qual eu tenho medo, tem uma cinta, quer dizer, uma coleira preta’. Quem tem cinta é um homem e não um cachorrinho), sonhos (sonhei que o cachorrinho mau estava com a camisa do papai).
Através do livre discurso (associação livre), dos atos falhos, esquecimentos, sonhos, o analista pode resgatar e significar o sentido mais profundo do sintoma, fazendo desta forma com que aquele arranjo inicial se dissolva libertando o sujeito do seu sofrimento.
A análise é, por assim dizer, a reconstrução da história individual que, frente a um impasse, foi relegada ao esquecimento, surgindo, em seu lugar, o sintoma, quer sejam a fobia, o pânico, a paralisia histérica ou a obsessão.
Fernando Basile da Silva
Excelente texto, bastante esclarecedor. Uma pena nem todas as pessoas que tem ou passaram por uma crise de pânico tenham a mesma sensibilidade para escalar seus medos e vencer a questão. Digo isso por minha prática psicoterápica, onde o que vejo é uma maioria que ainda acredita que os remédios é que os tirarão desse estado emocional tão triste que a crise instaura. Mas com paciência, carinho e uma fé inabalável na melhora deles, sigo procurando os melhores caminhos para ajudá-los a ressignificar essa angústia e esse "objeto perdido". Parabéns pelas postagens!
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